sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Terra, Marte, Lua, ricos e Pobres

Conta-se a história, por todo interior paulista, sobre o sábio Seu Adão, que por causa desse nome já sofreu inúmeras injúrias dos religiosos que remetiam o nome à pessoa que distraidamente, como acham, deixou a mulher dominar-se pela serpente e ele, perdidamente apaixonado veio a sucumbir ao pecado de morder o fruto proibido.
Seu Adão, paulistano, era bem diferente do Adão dos primórdios. Quando sua primeira esposa faleceu, ele juntou os cacos de seu coração, abençoou os filhos e foi namorar. Descobriu Dona Julieta num desses forrós de bairro, e não precisou muito para conquistá-la. Entre um passo e outro e uma apertadinha ao dançar, Dona Julieta se derreteu ao encanto daquele homem e muito mais à sua cordialidade. Tratava a todos com respeito. Ainda era um daqueles raros homens que abria a porta de sua Variant verde-limão, puxava a cadeira num restaurante e dava vez à mulher ao entrar por uma porta.
Mas quando Dona Julieta, que tinha nome de Dona e sobrenome Julieta, descansou, Seu Adão, viúvo pela segunda vez, consolou os parentes e foi viver só, no campo. Dizia ele que os velhos e a natureza combinam. Um entende a dor e a solidão do outro.
Dizem que foi o Seu Adão que espalhou essa história.
A história de quando os ricos mudaram de planeta.
Foi num ano desses de dois mil e alguma coisa. O Brasil aguardava ansiosamente por jogos de futebol e olímpicos em sua terra, um presidente negro norte-americano ganhou um prêmio, tal de "Não Bel, dá Paz", mas o que mais lembrava aqueles anos, era o anúncio do jornal: NASA descobre água em Marte e diamantes e petróleo na lua.
Imediatamente a notícia se espalhou. Entre os pobres era só boato. Alguns, como o Firmino, Tonhão, Nenê e Odair nem acreditavam na existência de outros planetas. Eles queriam mesmo era saber o resultado do campeonato brasileiro e tocar a vida mansa de inteior, ou melhor, periferia interiorana, já que eles moravam nos bairros distantes das cidadezinhas.
O mundo pegou fogo quando os jornais estamparam as fotos de uma jazida de ouro na lua. As agências de viagens fecharam pacotes, as empresas de aviões inventaram foguetes, os agentes imobiliários vendiam terrenos, dizem as más línguas que até uma igreja que possui um canal de TV, montou um projeto missionário e lá plantou 318 templos.
O mundo rico, depois de 5 anos, havia se mudado. Era chique viver em Marte, perto das celebridades. Muitos que haviam ido à lua, haviam enriquecido com tanto ouro! Quantas meninas se realizaram vivendo no mesmo quarteirão dos astros de Hollywood! Inventaram Shopping's, uma só moeda com o rosto de um extra-terrestre e uma frase: "In ET'$ we trust". Carros, casas, saunas, ternos de grife. Espelhos por todas as partes para satisfazer os narcisistas. Toda a chiqueza da qual os ricos e poderosos precisam.
Marte e a lua se tornaram o centro do planeta.
A Terra fora abandonada, bom, não assim, exatamente.
Só ficaram aqui aqueles que não tinham condições de pagar uma viagem para o espaço. Os ricos nem ligaram, alguns até disseram: Que eles não venham roubar nossas casas, sujar nossas ruas, invadir nossas fazendas lunares!
Seu Adão disse que os pobres se organizaram. Decidiram que não haveria guerra, dividiram seus campos, uns ajudaram os outros a construir suas casas, plantaram e cuidaram da terra, da natureza. Sem a exploração da Amazônia, algumas espécies em extinção voltaram a crescer, voltaram ao habitat natural. O homem cuidava do mundo ao seu redor. Plantaram árvores, limparam rios, derrubaram barracos e construiram um puxadinho, houve equilíbrio ecológico e até os tufões deixaram de assombrar a Oceania. Os velhos ensinavam as crianças e as crianças não trabalhavam em minas de carvão como antes, depois das aulas elas brincavam de pique-esconde até o entardecer. Com a ajuda de médicos vindos do oriente, alguns com barba de cubano, e muitos indígenas brasileiros, descobriram a cura para o câncer e muitas outras doenças. Não vendiam a cura, mas buscavam sempre a opinião de uma criança sobre como proceder com amor.
O mundo nunca foi tão simples e a vida nunca foi tão bem vivida.
Mas o seu Adão conta, que lá de Marte, as pessoas sintonizadas em Aipode's e internet de última geração, por um tal de satélite do Gugol, coisa que ele não sabia pronunciar direito, viram os avanços da Terra. E quando souberam das curas das doenças, organizaram um exército, com a ajuda de alguns seres criados por um tal de Jorge de Lucas - dizem que ele foi um cientista que criava bichos esquisitos e fazia com que eles aperecessem na TV para assustar criancinhas ricas - e lograram um tema: Guerra nas estrelas! Voaram em foguetes na direção da Terra e lançaram projéteis sobre as vilas, matando inocentes, os seres esquisitos engoliam as pessoas sem mastigar, e com a força das armas, roubaram a cura das doenças. Quando souberam que a cura estava nas plantas da Amazônia, criaram um esquema de invadir a Floresta, esse plano se chamou Dom Pedro 1, ninguém sabe o porquê. Mas se sabe que muitos indígenas foram mortos e tiveram suas aldeias destruidas. Na volta para Marte, resolveram passar no leste africano e levar algumas pessoas como escravos. Também levaram orientais para trabalhar em suas fábricas de tênis, já que os robôs haviam criado vida própria e se rebelavam. E para não levar suas bombas de volta à Marte, jogaram-nas sobre o Afeganistão, o Iraque e a Palestina, ato que ficou conhecido como "Guerra ao terror", ninguém sabe o porquê.
Os que não morreram ou foram levados, ficaram escondidos no que sobrou da terra:
Uma antiga fazenda de recuperação, no estado do Goiás, no Brasil, fazenda da época de dois mil e alguma coisa. Os ricos nem passariam perto de lá. Naquela época, aquele era um lugar de drogados, soropositivos, prostitutas, travestis, crianças de rua, moradores sem terra, cabeças-chatas, negróides, pecadores, leprosos, aleijados, desequilibrados mentais ... gente que contamina o planeta na opinião dos agora moradores de Marte.
Começaram a se organizar de novo, plantar árvores, cuidar dos animais, dividir o pão, curar doenças pela força do amor. Um tal de Grandhe, homem careca e baixinho, vivia estimulando a rapaziada a permanecer em paz! Lembrem-se de Deus que virou gente e disse: bem aventurados são os que procuram a paz - ele dizia. E isso contaminou cada coração.
A arma era o amor, mesmo porque eles não poderiam enfrentar um exército de foguetes com paus, pedras e bambús.
Alguns mais desajuizados até pensavam: Vou ficar em paz sim, mas torcendo prum cometa passar por Marte, resvalar na lua e nos fazer justiça.
Outros, como o Seu Adão, pensavam que o melhor lugar para se viver, não é um lugar, lugar mesmo, onde pisam os pés. Mas onde existe amor. Ele morreu citando as palavras dum poeta, com nome esquisito, Robert Southwell, dizem que ele era gringo, mas ninguém sabe de qual gringo era ele. "Eu vivo, não onde respiro, mas onde amo".
O cometa passou ...
Mas como pobre é azarado, bateu em Marte, resvalou na lua e acertou em cheio a Terra.
Ninguém ficou para contar a história.

Gito.


(O Gito é um amigo que também tem um BrÓg. Di-GiTo(e): www.giito.blogspot.com)