sábado, 22 de maio de 2010

A educação industrializada pelo paradigma pós-moderno

No século XVII, em 1698, um homem chamado Thomas Newcomen, instalou um motor a vapor para esgotar a água que sobrava em uma mina de carvão, em Stafforsdshire, na Grã-Bretanha. Esse era um dos primeiros acontecimentos de suplantação dos métodos de trabalho primários, e que viria a se tornar, mais tarde, a industrialização do trabalho, e consequentemente, então, às duas revoluções industriais da história. A mudança na relação entre homem e trabalho, as políticas econômicas liberalistas, as invenções aqui e acolá, foram criando suportabilidade para viabilizar a industrialização. E deram origem a um novo período, regido pelo capital e as visões do sistema capitalista, que, por tais razões e acontecimentos, passou a ser o sistema econômico vigente.

No Brasil, a industrialização aconteceu bem mais tarde. Enquanto era implantada a primeira indústria por aqui, na Europa, já acontecia a segunda revolução industrial. Foi no século XIX que enfim, com a proibição do tráfico internacional de escravos, a possibilidade de alavancar a indústria brasileira passou a existir de modo mais concreto. Pouco após o ano de 1889, ocorre, então, o primeiro surto industrial no país.

Se antes, no absolutismo do século XVII, o paradigma era a fé, onde Igreja e Estado detinham o poder de modo centralizado, e, mais tarde, no iluminismo, o paradigma tornou-se a razão, onde o homem passou a ser o centro do universo, hoje, o paradigma desse tempo denominado pós-modernidade, é o mercado.

Ele é quem dita a moda, as cores, cheiros, texturas, modos, meios, tendências, valores, preços, gostos, prioridades, tempos, datas, quanto, como, lugares, porquês, sons. Filho da industrialização, o combustível que o rege é o capital, e tem como prole a cultura de massa e suas promessas de soluções mágicas.

O homem agora é escravo de seus desejos e, às vezes, necessidades, ainda mais aguçadas pelas propagandas, em pról da sobrevivência do mercado publicitário, onde, de modo generalizado e simplista, trabalha em favor do incentivo ao consumo do supérfluo. (Esta é apenas uma vertente da publicidade e da propaganda. Há ainda campanhas sociais, desenvolvidas afim de suprir e resolver problemas de cunho social, promovendo conscientização, arrecadação de verba para ONGs, etc.)

A sutileza da imposição paradigmática do mercado é tão, sobre modo, intensa e constante nos ambientes sócio-econômico-culturais que, é impossível deixar de nota-la - apesar de sua sutileza ser tão astuta, ao ponto de, roboticamente, vivermos segundo os seus mecanismos de manipulação e persuasão, sem que a percebamos de fato ou ajamos voluntária e conscientemente - como um ciclo de produção em massa, feito as próprias indústrias, onde nós, indivíduos que compõem sociedades, grupos étnicos e nações, consumimos e somos consumidos pelo produto de nossos próprios desejos e anseios, escravizados pela era da informação, pelos apelos cibernéticos, cidadãos virtuais, clientes assíduos do regime do capital.

O mercado e os cavalos.

Desde pequena, ouvi aqui e ali que as salsichas são feitas de carne de cavalo. Eu nunca descobri se isso é verdade ou se é apenas mais uma dessas estórias populares que permeiam gerações e gerações e não perdem seu caráter mítico. O mercado como paradigma é como uma lenda popular. Você não sabe ao certo se é verdade tudo o que te dizem, mas acredita e compra a idéia. Passa aquilo para as gerações posteriores à sua e dá continuidade ao ciclo, como se você consumisse sem por em contra peso, em xeque, sem medir a necessidade e utilidade do objeto de consumo. Apenas compra porque a 'magia' contada a você foi o suficiente para lhe convencer a desejar possuir, mesmo sem precisar.

Mas, os efeitos do mercado, do regime do capital, em minha opinião, estão para além de apenas estas questões. Imagine. O mercado cria cavalos, faz deles salsichas, industrializa, põe no mercado, alguém vê, se convence, compra, come e vira cavalo.

O mercado lança o produto da vez, te convence, você compra, consome e vira o produto do mercado, industrializado, padronizado, embalado com um pacote de alumínio e um rótulo, um código de barras que lhe dá um valor. E você passa a ser parte do sistema, amarrado às regras da imposição pós-moderna do consumismo. No regime do capital, a máxima ‘tudo tem um preço’ é a lei, e nem sempre as percepções estão atentas para os moveres sutis ao redor. É a sociedade de consumo condicionada ao mandamento da troca.

O curioso - e talvez você demore em fazer o link disso tudo com o que direi agora - é que o mesmo acontece com a educação. Não estou certa sobre os artigos e referências bibliografias sobre o tema, mas imagino que alguém já tenha tocado no assunto, ainda que de outra forma. Então, permitam-me discorrer a respeito da questão e perdoem as incoerências e falhas da minha análise.

Bem como cada tempo tem o seu paradigma e, de mesmo modo, todas as questões e assuntos possuem os seus nos diversos períodos e épocas de seu desenvolvimento e estudo, a minha proposta é de uma análise crítica do sistema pedagógico dos nossos dias, submetido às influências das políticas neoliberais e ao mercado. Com efeito, penso que um dos pontos a serem considerados seja o fato de que, na educação, assim como é ditado pelo mercado, no regime do capital, a imposição de metodologias e a aplicação de formas de ensino estão sujeitas aos interesses políticos maiores que tentam, de todos os modos, alcançarem posições de prestígio, motivados pelo status e imagem projetada pra fora, ainda que dentro a realidade seja bem diferente.

Assim posto, podemos estabelecer como um dos paradigmas dos métodos e sistemas pedagógicos, o status, pelas estatísticas.
Ora, sim. As movimentações para atingir números favoráveis (estatísticas) para o alcance da desejada posição fixa em uma das cadeiras no conselho da ONU é um dos pretextos para certos ajustes nos métodos de avaliação e aprovação no ensino público do país. É claro que o que digo aqui talvez careça de muitas outras considerações e análises mais profundas dos fatos. Mas, ainda assim não se perde o valor e poder de transpor a questão sob reflexão, afim de pensar soluções e ações capazes de promoverem transformações, ainda que apenas locais, na realidade pedagógica no Brasil.

Sempre questionei – e esse é um dos principais pontos de minha reflexão pessoal – sobre a eficiência e eficácia de um sistema único de avaliação aplicado à grupos de alunos que estão inseridos em diferentes contextos sociais, culturais, sofrem diferentes interferências de diferentes variáveis, reagem de modos diferentes às situações e possuem tempos diferentes de assimilação de informação, conhecimento e aprendizagem. Além de interesses particulares destintos. Então, como ensinar sem considerar tantas variáveis externas? Como definir a educação como algo que acontece aquém da realidade de quem é aluno? Não creio que uma avaliação, uma prova, do modo como são aplicadas hoje - salvo professores que atuam, paralelamente, clandestinos aos métodos padrões e aplicam os seus próprios, atentando para variáveis e modos que melhor contribuem para a assimilação do conteúdo proposto e formação de alunos como indivíduos para além do tempo que permanecem dentro das paredes das escolas – possam servir como referencial de aproveitamento de cada aluno. Como medir o conhecimento adquirido? Rubem Alves , certa vez, disse que conhecimento não pode ser medido. E eu concordo com ele.

Vi num filme uma vez, um aluno que, por mau comportamento, teve como pena de detenção, trabalhar como voluntário nas horas vagas ajudando crianças com dificuldades na escola. Em uma das cenas, ele tentava explicar geometria para um menino, que após ouvir impacientemente e não entender nada, largou a explicação de lado e foi jogar basquete. Em outra cena, quando o aluno da detenção tenta obter êxito nas explicações sobre geometria para o mesmo menino, ele se utiliza do basquete como analogia. Leva o menino para a quadra e explica a matéria como se fossem orientações estratégicas sobre táticas de jogo dadas por um técnico de um time aos seus jogadores. O menino finalmente entendeu.

Temos nesse exemplo um caso de aluno e professor (considerando aluno e professor em definições simplistas dos títulos), onde, a dificuldade de aprendizado é superada pela explicação adequada a realidade do aluno, considerando as variáveis externas ao ambiente educacional da escola. Esse é o grande ponto, talvez, que caracterize um bom educador.

Ainda citando Rubem Alves, em um dos seus mais recentes livros lançados – Quer que eu te conte uma estória? – ele conta a estória do Pinóquio, o menino de madeira, ao contrário, ao avesso. Intitulada ‘oiuqóniP’, ele narra a estória de um menino que era de verdade, de carne e osso, cheio de fantasias, sonhos, imaginações, alegrias nas cosias simples da vida, como todas as crianças. Até que um dia, lhe mandaram pra escola, dizendo que é assim que se fica preparado pra vida, que se vira gente. Em uma das partes do texto, para ilustrar a ideia da crítica, ele diz: “É preciso ir para a escola. Todos os meninos vão. Para se transformarem em gente. Deixar as coisas de criança. Em cada criança brincante dorme um adulto produtivo. É preciso que o adulto produtivo devore a criança inútil”.

Aqui está a relação entre a educação, a indústria e o mercado, e talvez a revelação de umas das vertentes da crise pedagógica. Rubem Alves, ao final da estória, fala sobre o triste fim do menino, doutor de todos os saberes, mas sem coração. Virou um menino de madeira, igual a tantos outros meninos que sofreram a mesma metamorfose. Ele comenta, no início, sobre o fato de como, na verdadeira história do pinóquio, a escola é o lugar que transforma meninos de madeira em meninos de verdade, e o que estiver fora disso, faz dos meninos burros. Minha intenção nesse trecho não é fazer apologia a qualquer tipo de boicote a escola, mas apenas causar a reflexão a respeito dessa deficiência pedagógica do ensino, fruto, em grande parte, das influências neoliberais e pós-modernas dos nossos dias.

A educação como um mercado, vende a fórmula única de ‘felicidade’, ao estabelecer e dizer que só vira gente grande aquele que estuda e se torna bem sucedido, segundo os requisitos estabelecidos pelo e para o mercado, afim de servir a tal ditadura. O resultado disso é uma educação que caminha para a industrialização de meninos, aquém de suas realidades de carne e osso, importanto apenas que estejam capacitados para atender ao mercado, como máquinas projetadas para produzir e dar continuidade ao regime do capital.

Quando a realidade é essa, pouco importa aprender sobre basquete para ensinar geometria. No final, tudo se encaixa apenas em dois únicos grupos; os que servem e os que não servem. Pena que inverteram os graus de importância. Pra economia girar e ficarem bem vistos lá fora, empenharam-se em produzir meninos de madeira, mas sem coração. Se esqueceram que educar é aprender com meninos de verdade sobre as fascinações de ser de carne e osso.


Isa.


Texto escrito para o blog do MCM - Movimento Contra a Miséria - Eles estão em estudos sobre 'Pedagogia Popular'. Há um grupo de estudos aberto a quem desejar participar. O link está no blog do MCM.
Visite e conheça.