quinta-feira, 15 de abril de 2010

Desde o dia em que nascí

Minha mãe casou-se jovem. Aos 17, eu já estava por vir.
Fiquei orfã do ventre dela dois meses antes dela completar os 9 de gestação. E vim. Cheguei com peso leve, tamanho pequeno, uma nariz batata e dois dedos do pé direito grudados pela metade.
Com todos esses atributos, eles resolveram me chamar de Isabela. rs
Na infância, não tive muitos amigos na escola. Uma menina tinha como principal diversão me beliscar o braço enquanto a van nos levava de casa pra escola e da escola pra casa. Isso não me divertia. Mas, fiz algumas amizades na rua de casa.
Na casa da minha avó, gostava de brincar qu'eu tinha um restaurante. Entrava dentro do viveiro dos passarinhos do meu avô. Comia um matinho do jardim porque tinha um gostinho azedinho. Ia pra roça sentada na carroceria da fiorino branca de meu avô, sentindo o vento nos cabelos e comendo pó da terra que voava pelo ar.
Tive um cachorro chamado pitoco, que fugiu. Uma bola daquelas grandes que vendem em parques de diversão, que estourou. Pensava que meu avô era Van Gogh.
Tive uma gata chamada Miney e gostava de moedas de 25 centavos. Tive dois bichos da seda que ganhei de um fazendeiro, amigo de meu pai. Eu os criava em uma caixa de fósforo, mas eles morreram. Enterrei-os no jardim, dentro da caixinha mesmo, e fiz uma despedida.

Assim como a vida surge por um sopro, n'um expirar, ela se esvai. Quando eu tinha os meus 4 anos, meus pais sofreram um acidente de carro. Era noite e, na estrada, havia uma árvore caída; eles não viram e não deu tempo de brecar. Minha mãe quebrou o nariz. Meu pai, igual aos pássarinhos que migram para o verão, ele vôou. Abriu suas asas e migrou pr'além daqui, nas moradas dos céus.
Fiquei órfã mais cedo outra vez, antes de me formar na pré-escola.
Na despedida, me lembro de não conseguir enxerga-lo. Minha altura ainda era pouca e não adiantava erguer os pésinhos. Sei que não chorei ao vê-lo caído em sono profundo. E meu adeus foi-lhe um beijo na testa. Deixei de gostar de fazer despedidas.

Eu, que já não era muito escancarada, me tornei ainda mais 'intro'. Fiz do silêncio minha companhia e da solitude, uma amiga.

Minha mãe, aos 21, era mãe de duas meninas e esposa viúva de seu marido.
Mudamos de volta para a cidade da minha mãe, Cosmópolis. Ela casou-se outra vez alguns anos depois. Ganhei outro pai e mais um irmão.
Como família, tivemos um fusca vermelho, um poodle deformado que morreu, uma lebre preta, uma pit bul engraçada, duas tartarugas, um aquário, ramsters chinêses, um carro furtado da nossa garagem e um outro que deveria ser econômico, mas não é.

Por causa do trauma da perda, frequentei psicólogos, cresci insegura, me fechei em um mundo só meu.
Mas, desfrutei de uma boa infância. Brincava nas ruas, na terra, na lama, na praça. Sempre tive mais amigos meninos. Eles me defendiam de estranhos, evitavam palavrões e piadas sujas perdo de mim. Jogávamos futebol, video game, bolinha de gude, subíamos em árvores, contávamos histórias, nos reuníamos na calçada pra tomar refrigeréco de bar. rs... Ah, eu odiava a xuxa. rs

Eu também sempre fui um desastre. Um vez, tomei remédio sem precisar e ganhei uma lavagem estomacal, daquelas que eles enfiam um tubo em nossas narinas e sugam o nosso estômago quase que tirando as tripas também. Escorreguei n'uma cásca de banana, caí e desmaiei. Cortei meu pulso no vidro da porta apostando corrida. O vidro rasgou minha pele, transpassou minha carne e rompeu meu tendão. Eu quase perdí os movimentos.
Também já quebrei o outro braço numa festa de casamento. Caí no banheiro e quebrei os meus dentes da frente. Queimei o meu punho, caí de moto...
Tenho uma das pernas que, às vezes, amolece de repente, e eu quase caio. Sou míope, idealista, melancólica, chorona e distraída.

Nunca quis debutar. Aos 15, preferi aprender violão. Gostava de música, de poder faze-la. Mas, eu nunca soube teoria. E nem sei setoco muito bem. Mas, me entendo com meu violão.
Na adolescência, descobrí Los Hermanos além de Ana Júlia. Bastou pra qu'eu soubesse que gostaría daquilo pela minha vida inteira. Gosto do som abrasileirado das músicas do Jorge Camargo, das composições tupiniquins do João alexandre. Do rock dos Strokes, dos Beatles, do Elvis. Da MPB do Chico, Elis, Jorge Ben, das múscas da Tiê, de Bach, Bill Callahan, do som sussurrado do Kings Of Convenience, das músicas cheias de alegria do Belle And Sebastian, do som bem tocado do incubus, John Foreman, Switchfoot, da banda do Bruninho, das composições de uns amigos, dos assovios do meu avô.
A vida toda é uma orquestra.

Tenho 20 anos, 1,75m de altura, 56kg, dois olhos míopes, 6 avós, amigos eternos espalhados por aí de quem sinto muitas saudades, unhas sem fazer e uma cicatriz na boca. Um dia eu vou adotar uma criança, faze-la sangue dos meus carinhos, amor do meu amor. De todas as vezes e de todas as coisas de que fiquei órfã, a adoção pelo amor foi que mudou minha história, quando tudo conspirava para outros rumos. Deus veio, chegou e me disse; eu sou o seu Pai. Mesmo que na terra lhe falte um de carne e osso, você não estará só.

Isa.