segunda-feira, 3 de maio de 2010

Silêncio e Fascinação

Tenho amigos que me ensinam muitas coisas.
Um deles, a quem, confesso; o tratava com desconfiança no começo, hoje me acompanha boa parte do dia. Seu nome é Silêncio.
O Silêncio, me apresentou sua namorada, a Fascinação.
De cara, ela me mostrou detalhes, momentos, faíscas, pessoas, lugares, jeitos e rachaduras que eu jamais teria percebido sem a sua ajuda.
Hoje, somos grandes amigos.
Fiz minhas as palavras de Abraham Heschel, dirigidas em seu leito de morte a um amigo: "Sam, nunca em toda a minha vida pedi a Deus, sucesso, sabedoria, poder, ou fama. Pedi fascinação, e ela me foi concedida."
E agora, muitas vezes, me flagro: embriagado com alguma coisa que me encha os pulmões de oxigênio, os olhos de lágrimas e a boca de júbilo. Tenho sido constantemente flagrado pronunciando algum palavrão sem saber expressar o que sinto por dentro. O palavrão é por não saber o que dizer. Ele vem suave, escorrega da língua aos lábios, e é pronunciado na mesma intensidade da minha fascinação.
Lembro de Rubem Alves, o velho mineiro, meu amigo. Não somos conhecidos. Somos amigos pela leitura. Sou amigo de Rubem Alves assim como sou de Paulo, de Nietzsche e de Clarice.
Rubem Alves costuma dizer que "sem beleza não há salvação". E eu, em respeitosa comunhão, digo Amém.

O rastro da poeira na estrada de terra logo após o caminhão passar; o cheiro da dama-da-noite, árvore safada que se entrega e exala seu perfume quando o sol se esconde; a mulher grávida arrastando sua chinela para atender a porta; a estrela que resolve brilhar mais só porque um menino está nascendo; uma vela ainda esfumaçando ao sopro da menininha em seu aniversário de oito anos; um velho rezando; o salto desengonçado do golfinho; a panela cozinhando o feijão; o vento que espalha as folhas da pracinha; anjos que hospedam em palácios as crianças de rua e as têm por filhos; o tropeço do palhaço; as tecnologias dos computadores, o vento que desarruma o cabelo da violinista; o filho pródigo que encontra a companhia do pai no caminho de volta pra casa; uma estante de livros; o giro do ventilador em noite de verão; um semáforo piscando na rua deserta duma madrugada solitária; a garoa que faz arder os olhos; o vovô sorridente enterrado até o pescoço pelo netinho na areia da praia; a menina que sorri enquanto canta; o voo do tucano; a goteira que enche o balde; mesa farta; fotos entre amigos; o vermelho do fogo na fogueira; uma visita surpresa de Deus ao orfanato; uma canção desafinada nas vigílias dos insônes; os lobos apaixonados pela lua cheia; a fé do herege na busca por crer; o grito da vitória; qualquer bandeira ao vento; as mãos dadas dos namorados; a onda que quebra na praia; as folhas de fax; o sorriso banguelo do mendigo; o médico que atende gratuitamente; a oração sem palavras; a inteligência dos autistas; a mochila esfarrapada do jovem missionário; a pintura no rosto dos pataxós; cheiro de chuva; a rapidez dos mágicos; mãos bailando nos aplausos dos surdos-mudos; Deus que se faz gente...

Os contemporâneos de Francisco de Assis chamavam-no le jongleur de Dieu - o palhaço de Deus. Na primeira reunião pública dos franciscanos, com a presença de três mil irmãos, Francisco ordenou gentilmente aos pássaros que parassem de piar para que os freis pudessem ouvir seu sermão. Eles obedeceram de imediato. Ele amansou um lobo que devorava pessoas no vilarejo de Gubbio e fez com que o povo do local prometesse que não deixaria de alimentar o carnívoro todas as noites. Pegou dois pedaços secos de madeira, fingindo ser arco e violino, e entoou canções de amor a Deus em francês. Compôs um cântico que louva a Deus pelo irmão sol, pela irmã lua, pelo irmão fogo e pela irmã água, e até pela irmã morte. Muitas vezes ele plantava babaneira para ver o mundo de cabeça pra baixo, lembrando aos seus próximos e a si mesmo que a vida no planeta Terra está numa relação de plena dependência da bondade de Deus.
Temos observado o mundo com olhares técnicos. Precisamos da visita de Solidão e Fascinação para nos permitir enxergar a beleza. Precisamos do Silêncio que nos remete numa louca viagem para dentro.
Brennan Manning, em seu livro Ruthless Trust: The Ragamuffin's Path to God (Confiança Cega, no Brasil, pela MC) escreve:

O salmista declara que os céus e a terra estão cheios da glória de Deus. O poeta Gerard Manley Hopkins escreve: "O mundo está carregado da grandeza de Deus". Thomas Plunkett insiste: "Vejo o sangue dele numa rosa". Entusiasmado, Agostinho declara: "Ó Beleza sempre antiga, sempre nova".
Num país degradado por bairros poluídos e paisagens destruídas, os visionários espirituais aquietam os temores que cultivamos e nos inspiram a confiar, levantando nossos olhos para a exuberante beleza de Deus manifestada na criação. Comentando o salmo 148, Agostinho pergunta: "Será que Deus se proclama nas maravilhas da criação?". E responde: "Não. Todas as coisas o proclamam, todas as coisas falam por ele. A beleza que elas têm é a voz com a qual anunciam a Deus e cantam: "Foste tu que me fizeste bela, não eu, mas tu'". Poetas, cantores, compositores, romancistas, músicos, palhaços, e místicos fazem com que as vozes da criação sejam capazes de exclamar: "Como é belo aquele que nos fez!".
Quando criança, John Henry Newman imaginava que por trás de ccada flor havia um anjo escondido que a fazia crescer e se abrir. Mais tarde na vida, tendo-se tornado um eminente teólogo na Inglaterra, ele escreve: "A realidade é mais profunda. É o próprio Deus que pode ser percebido na beleza das coisas sensíveis".
Até Jesus de maravilhava com a beleza que o cercava: "Vejam como crescem as flores do campo: elas não trabalham, nem fazem roupas para si mesmas. Mas eu afirmo a vocês que nem mesmo Salomão, sendo tão rico, usava roupas tão bonitas como essas flores" (Mt 6:28-29 NTLH).


Fascinação nos ajuda a enxergar além do literal. Nos desafia a sonhar com nosso lar, cuja beleza que nos aguarda jamais foi vista por nossos olhos, ouvida por nossos ouvidos ou concebida por nossa imaginação.
Procure por Silêncio, ele te apresentará Fascinação.

Gito.