terça-feira, 24 de novembro de 2009

Entre os maços, tragos e cigarros

O meu avô já tem quase 70 anos. Trabalhou duro na granja que existia na Usina de Cana-de-açucar de Cosmópolis, interior de são Paulo. Morou em São Paulo alguns anos. Não sei ao certo, mas acho que foi pra lá na década de 40 e retornou alguns anos depois, pouco tempo após uma de minhas tias nascer por lá. Voltou. Foi militar (PM) durante o Golpe de 64. Além da minha tia, nascida em São Paulo, teve outros 4 filhos, dos quais, só um veio menino – o mais velho – seguido de 4 mulheres, daquelas bonitas.
Desde os seus 12 anos, meu avô é fumante. Me lembro de buscar os maços de cigarro pra ele numa mercearia-bar que fica no mesmo quarteirão da casa dele. “Me vê dois maços de FREE, por favor!” – Era o que eu dizia. O vendedor, amigo da família, bem sabia que não era pra mim, mas pro meu avô, e por isso vendia, mas ficava um tanto quanto na espreita quando tinha mais gente no bar. Haha...vender cigarros para menores é crime, ainda mais se for 1 ou dois maços todos os dias. Rs . Apesar de fumar 2 maços de cigaror por dia, meu avô sempre foi contra o cigarro e deixava bem claro para todos os netos quanto a isso. Se algum de nós aparecesse fumando um dia, iria é levar uma fumada dele, e das bem grandes. Rs “Cigarro é um vício desgraçado!” - ele dizia. Apesar de sempre ver o meu avô “puxar uma chupeta do diabo” (ele chamava assim...rs), nunca nem sequer coloquei um cigarro na boca. Só uma vez quando, na escola, quase todos da classe pintavam algum lápis que, de tão pequeno, já estava ruim pra escrever, com corretivo branco e o filtro com caneta marca texto. Queimavamos a ponta e ficavamos finjindo que fumar. Haha... alguns desses amigos realmente passaram a fumar de verdade. Mas a minha experiência com o trago poi apenas esta. Rs
Depois de um tempo, meu avô passou a usar uma espécie de filtro extra, que servia para amenizar os efeitos do cigarro, mas não sei se o efeito de diminuir os danos das toxinas do cigarro no corpo era realmente eficaz. Porém, meu avô passou a fumar apenas um masso por dia. O outro masso transformou-se em um pacote de balas de canela e muito mais goles de café durante o dia. Apesar disso, meu avô não tem problemas em dormir. Insônia mesmo ele teria se não bebesse um golinho sequer do caldo preto. Haha
Minha avó, mulher boa de Deus, é que não vence de fazer café. Ela mesma eu quase não vejo beber. Mas esse é apenas um dos contrastes entre meu avô e ela. Ele bebe café adoidado e tragou um cigarro a vida inteira. Ela quase nem experimenta do gosto do pó preto durante o dia e nunca fumou na vida. Ele usa os mais diversos palavrões e xingamentos diante de acontecimentos diversos, desde chutar a quina do canto da cama com o dedinho do pé, até uma frechada no trânsito. Ela não fala palavrão algum e quando ouve, rí como se fosse uma piada engraçada e diz: “Óia, que boca suja tem esse homi”. Meu avô gosta de programas e filmes policiais, minha avó gosta de novelas e desenhos infantis. Meu avô, agora na velhice, gosta de papear na praça com os amigos, junto ao carrinho do pipoqueiro. Minha avó é integrante de um grupo que desenvolve trabalho de capelania em hospitais aqui da região. Ela volta às 17h todos os dias. Meu avô sempre se disse ateu e nunca acreditou em nada, nem em Deus e nem em E.T., buda ou coisas assim. Minha avó lê a bíblia todas as manhãs, vai à igreja, frequenta as reuniões de orações (onde sempre leva listas de nomes para orar) e faz parte do ministério de intercessão da igreja.
É curioso. Eles estão prestes a completar 50 anos de casamento. São praticamente 50 anos contrastando nos comportamentos, porém, o casório nunca existiu em falsidade ou pra manter uma boa imagem. Há gente que diz que casais assim compõem o que eles chamam de ‘jugo desigual’. Mas, o amor é que dá valia a todas as coisas, e eu é que não ouso des-validar tal união.
Mas, tal ateísmo do meu avô sempre foi relaionado ao ‘deus’ dos crentes, das religiões, do cristianismo, segundo a experiência dele com esses tais. Mas jamais foi embasado com argumentos anti-qualquer-coisa. O empenho dele na vida nunca foi a maluquice da religião ateísta em provar a não existência de Deus. Ele simplesmente ouviu e viu sobre um deus torto, invejoso, esquizofrenico e tórpe, esteriotipado pela igreja e seus seguidores. ‘Deus’ assim eu também não quero e não creio.
Minha avó, mesmo errante na caminhada, jamais forçou um evangelismo fanático. Apenas sempre disse, pra ele, pros filhos e netos, que a gente precisa de Deus e que bom seria ir à igreja. Ela sabe disso porque é assim com ela. Por isso diz pra nós. Ela é gente certa de Deus, mas que comete erros. Mas pra Deus, importa que a gente seja assim mesmo. O inverso é que é problema.
O meu vô agora não fuma mais. Faz um mês e meio desde que puxou a última ‘chupeta do diabo’. É que ele andou passando mal, foi ao médico e lá, além de ouvir do Dr. mais palavrões do que ele mesmo sempre falou, ouviu que o único jeito de chegar aos 90 era parando de fumar, do contrário, os 70 anos seria muito.
Ele parou. Assim mesmo, de um dia pro outro. Sem remédio nenhum e nem redução gradativa de quantidade de cigarros por dia. Simplesmente parou. Dormiu fumante e acordou ex.
Agora, sai fazer caminhada, notou uma relevante quantia a mais sobrando do salário no fim do mês e a saúde esta melhorando. Ele continua com o café e as balas. Mas, agora diz que se soubesse que parar de fumar era tão bom, teria feito isso antes. Até a comida tem outro gosto. É outro paladar.
Uma das netas disse pra ele esses dias: ‘Ê, vô, parou de fumar, a netaiada senta na sua cadeira na janta. Agora só ta faltando o Sr. ir pra igreja”.
Ele riu um riso sem jeito e disse: “Quem sabe”.
É que com Deus também é assim. Por causa do cigarro da religião, a gente percebe um Deus através da fumaça, sente arder os pulmões, tosse como um cachorro e sai fora dizendo: “Deus assim eu não creio.” É só quando a gente larga mão dos tragos de nicotina religiosa que a gente experimenta Deus com outro gosto, agussa o paladar e diz: “Se eu soubesse que Deus era tão bom, teria crido bem antes.”
Meu avô é já que descobre.

Nele, que de todos os gostos, é quem tem o único sabor capaz de agradar o paladar da alma do espírito...

Um Beijão!