sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Visitas

Ele voltou e veio acompanhado. Sentí sua presença. Sem alarde, passou pela parede e postou-se agachado, encolheu suas asas e, mãos no queixo, observou, como fazem os humanos quando querem enxergar além do que os seus olhos podem ver.
Logo vieram os outros. Menores, com semblantes infantis, eram como sopranos num grande coral. Seus movimentos se fazem como um falsete ou uma flauta. Se colocaram desordenadamente pelo quarto, e como crianças, se esparramavam ora sobre o guarda-roupas, ora sobre o colchão. Não encolhiam suas pequenas asas. Pés descalços, transmitiam paz, olhos vivos e observadores, traziam a vida. Arrisquei-me por perguntar seus nomes, sem pronunciar qualquer palavra. Os pensamentos fazem a vez da voz quando eles nos visitam.
- Você - apontei para o ser que quase via sentado na cama - Qual teu nome?
- Sossego, ele disse com voz mansa. E de seus lábios emanou o sossego para o meu coração. Como uma canção doce.
Outro, se ajeitou na cama, como que ansioso por minha pergunta:
- E você, pequeno ?
- Sou Descanso.
Trocou a posição das pernas como fazem os humanos e prosseguiu:
- Você sempre pede a nossa presença, mas nem sempre a percebe.
Eu sorri, para que ele pudesse entender que eu concordei.
Ele baixou os olhos e concentrou-se em outros pensamentos.
Olhei para o maior deles, que agachado, se mostrava maravilhosamente belo, levantou-se e sua expressão se tornou séria, mas não repreensiva. Suas asas se mexiam lentamente, seus cabelos eram como o ouro, e sua voz soou esquisita, quando disse:
- Você não deverá saber o meu nome. Se souber agora, talvez isso venha a ter consequências desastrosas para você. O importante é você saber que não somos os únicos que te visitamos.
Levantei com o pescoço dolorido, parte do meu rosto sentia um formigamento, meus braços serviam de travesseiro sobre o teclado do computador. Na tela, letras formavam palavras sem sentido que foram digitadas pelo peso do meu corpo. A luz do monitor era a única iluminação no fim da madrugada. O sol despontava no horizonte, mas incapaz de iluminar o recinto.
Lembrei-me do sonho esquisito. Lembrei-me de Sossego e Descanso e das palavras do desconhecido: ... não somos os únicos que te visitamos.
Um barulho de asas se ouviu próximo à janela. Levantei curioso e com imensa dor no corpo.
Uma pombinha se equilibrava sobre o portão de madeira. Trazia no bico, um ramo.

Gito.