sexta-feira, 9 de março de 2012

Uma carta pela verdade


Sou ruim com datas e nomes. As lembranças – não todas - me escapam nos detalhes. Mas me lembro que, alguns anos atrás – só não me lembro bem quando ou onde -, comecei a acompanhar o desfecho da questão indígena no Brasil, desde quando o Mércio Gomes ainda era o presidente da FUNAI. Não todas as questões, mas sim uma em específico: infanticídio.
Quem não se lembra do história da indiazinha Hakani ?
Ela nasceu com alguns probleminhas de saúde que, na cultura da sua etnia, era entendido como motivo para que ela fosse morta. Basicamente, as crianças são entregues à morte por três principais razões: se forem gêmeas, nascerem com deficiências físicas ou mentais, ou forem filhas de mãe solteira.
A partir da história da Hakani iniciou-se uma luta muito grande – principalmente política - de combate ao infanticídio, que inclui direito à tratamento médico para as crianças indiazinhas que apresentarem algum tipo de deficiência ou debilidade de saúde.
A partir daí, uma grande polêmica também se iniciou. Argumentos a favor e contra, justificativas daqui e de lá, gente dizendo isso e aquilo. O fato é que a questão é delicada e importante. Não pode ser negligenciada.
E, enfim, me deparei com uma reportagem no site da Carta Capital (Leia Aqui) que realmente me surpreendeu. Acompanhando o desenrolar dessa história a anos, minha surpresa foi tanta pelo fato da Carta Capital se dispor a publicar uma reportagem tão tendenciosa e rasa como essa. Um tema desses não pode ser lançado assim, ao vento, parcial, sem profundidade e esclarecimentos, ainda mais se não se dá ou apresenta o outro lado, o direito de resposta, a outra versão dos fatos.
Quando o documentário “Hakani – Voz pela vida” saiu na internet, A FUNAI entrou com um pedido de ‘veto’ que foi atendido e o documentário foi proibido de ser veiculado na rede, retirado do youtube e teve seu download gratuito proibido.
Basicamente, o documentário apresentava a questão do infanticídio através da história da Hakani e ainda transitava pela situação, na época, da questão no congresso.
Uma das coisas que a reportagem da Carta Capital não diz, por exemplo, é que toda essa luta indígena contra o infanticídio não foi implantada nos índios como uma colonização opressora ou uma catequização autoritária. Não. Surgiu lá dentro. Por isso é genuína. Como em qualquer contexto histórico-cultural, há aqueles que vivem segundo dita a cultura e há aqueles que questionam, que não querem, que pensam poder ser de outro jeito. E é assim que foi e tem sido. Não foi o homem branco que entrou lá e disse que aquilo era errado ou que não podia. Foram os índios que, vivendo a experiência de serem pressionados a matarem seus filhos, rejeitaram tal prática questionando o porque de ser necessário entregarem seus filhos à morte.
Os pais da Hakani se recusaram a enterra-la viva e sofreram suas dores: a de verem sua menina condenada à morte e a de irem contra as tradições do seu povo. A dor era dupla, mas, acima da cultura, escolheram a vida. E seu irmãozinho Bibi, de 8 anos, teve o mesmo inconformismo no coração quanto, proibido sequer de dar comida à irmã, resolveu leva-la à um posto missionário localizado perto de sua tribo na esperança de que aqueles que se encontravam ali a salvassem. Foi o que aconteceu. Hakani foi adotada e recebeu tratamento médico adequado para restabelecer sua saúde.
Uma das maiores dificuldades nessa questão indígena no Brasil é que, por muito tempo, muita gente falou – e continuam falando -, menos os índios. Mas agora, é diferente. Apesar da voz dos povos indígenas ainda serem um tanto quanto abafadas, existe um grito que pode e está sendo ouvido.
A lei citada na reportagem da Carta Capital é a Lei Muwaji. Muwaji é uma índia da etnia Suruwaha que também se inconformou e fugiu de sua tribo pra salvar sua filhinha com paralisia cerebral, a Iganani. Muwaji não foi tirada da tribo. Ela quis sair e ir buscar tratamento para sua filha. E Muwaji é só uma dentre tantas outras mães e pais que tem se atirado nessa mesma luta.
Essa questão de cultura é importante e está muito ligada à formação da nossa identidade. Mas há uma questão existencial humana muito maior e que nos defini muito mais: a vida. Essa corrida por salvar suas crianças está impregnada nos índios e índias porque é uma questão humana. Assim como uma mãe que se recusa a entregar sua filha para sofrer mutilação genital em prol do cumprimento da tradição.
O fato é que lei não é nada daquilo que eles disseram na reportagem. 
Existe uma ONG em Brasilia chamada ATINI (click). É formada por antropólogos, voluntários e índios (inclusive Suruwahas) que lutam pela aprovação da lei Muwaji e por muitos outros direitos dos índios. Além de apoiarem e buscarem tratamento médico para as crianças indiazinhas. A antropóloga que adotou a HAKANI, Márcia Suzuki, é uma das idealizadoras da ATINI, juntamente com seu marino, Edson Suzuki.
Conheça o site da ATINI, leia tudo, acompanhe para que você não seja induzido ou enganado.
É por conhecer e saber da genuinidade da causa, que escrevo esse texto.
Muitas tribos indígenas no Brasil ainda praticam o infanticídio, apesar de toda a iniciativa de não praticar mais ter surgido nos índios, ainda há muitas dificuldades a serem vencidas.  Dentre elas, a reportagem da Carta Capital se tornou uma, espalhando declarações esquisitas sem mostrar por todo, tudo aquilo que é a verdade.




O documentário “Hakani – Voz pela vida” que citei no texto não está mais disponível na internet, mas, há um outro que ainda pode ser visto na íntegra e gratuitamente pelo youtube, chamado “Quebrando o Silêncio”, produzido por uma jornalista índia, Sandra Terena. Ela e seu documentário foram selecionados para o Prêmio Jovem da Brasil de 2009.
Abaixo, você pode assistir o documentário e também ver uma reportagem da Revista Veja sobre os australianos citados na Carta Capital.


Parte 1:

Parte 2:

Parte 3: