sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Quando não mais acreditamos em Deus

Por volta das quatro horas da madruga [...], eu estava trocando idéia com um amigo na frente de casa, como já é de costume nos finais de semana. Ele estava indignado com a tal “adoração extravagante” (que se parece mais extravagante, do que adoração), que havíamos presenciado na noite anterior em um culto. Se esforçava, mas não entendia o porquê de tantos gritos, para poucas lágrimas, e porquê poucas lágrimas e tanta encenação, em meio ao cenário montado, com palco, microfone, holofotes e o que dá vida ao show: O público. Tive de concordar com ele, pois percebo que nesse momento, as maiores mentiras são contadas e cantadas. Coisas como, “dou minha vida por Ti”, “abro mão dos meus sonhos”, “largo tudo pra Te seguir”, etc. Admiro quem consegue cantar isso como verdade, porém, nessas horas, eu sempre prefiro o silêncio, pois não me arrisco a dizer algo que vem de muitos gritos de fora, mas ainda não grita dentro de mim.
Ao que parece, o cristão não gosta muito daquela idéia de Jesus, que se deveria orar quietinho, do jeito que você achar melhor, inclusive com canto, mas no seu canto, no seu quarto.
O fato é que esse amigo, até pouco tempo atrás era ateu, mas não aquele que alguns chamam de “à toa”, pois o que ele mais tinha feito na vida, era tentar crer na existência de um Deus.
Tentou racionalizar, interpretar, experimentar e vivenciar esse Deus. Tudo em vão. Nada disso fazia sentido.
No decorrer da conversa, ele me disse o porquê estava tão indignado com o show que havíamos visto, pois alguns anos atrás, ele também precisou rasgar seu coração diante de Deus, porém, em um cenário e de uma forma bem diferente. Essas foram as palavras que com lágrimas nos olhos, ele me disse:

"Mano, há três anos atrás, eu estava diante do corpo do meu irmão, coberto com lençol, o qual eu vi sendo enrolado, e revirado para dentro do caixão. Ele estava com câncer, e eu o vi sofrer por muito tempo em uma cama, esperando a promessa de cura que foi revelada em uma palavra para ele, mas nunca chegou. Eu não conseguia acreditar no que meus olhos viam. Sai de lá desesperado, dando murros e cabeçadas na parede. Eu estava completamente sem rumo. Fui então para minha casa e deitei na rede. Em meio ao silêncio, e aos pensamentos ainda perdidos, consegui apenas dizer ao suposto Deus: Porque você permitiu isso? Porque fez isso com meu irmão? Sinto muito, mas eu não acredito mais em você."

Desse dia em diante, ele se tornara ateu.
Não foi possível ouvir isso e conter as lágrimas, ainda mais por saber que depois da morte do irmão, sua mãe também foi acometida pela mesma doença, e veio a falecer. Alguns meses depois, seu outro irmão, vítima de um acidente, também se foi. Dentro de três anos, em sua casa, restaram apenas ele e o seu pai. Um pai triste, sem sua esposa e sem dois de seus filhos.

No final da conversa, esse mesmo cara, me disse que agora consegue enxergar o amor de Deus, mesmo sem motivos aparente, sem razão para crer, apenas por fé e sinceridade diante dele.

Embora o assunto começou com a tal “adoração extravagante”, nessa madrugada eu pude entender onde e como ela acontece, pois esse, foi o relato de uma oração sincera vinda de um recém ateu, a qual tenho certeza que foi ouvida e compreendida pelo Pai, pelo qual buscamos e clamamos, mesmo quando não temos motivos aparente, microfone, luzes, público, e tampouco a fé, apenas expressamos o que sentimos e como estamos, diante de um Cristo que nos compreende, pois certa vez, em sua sinceridade no vale da sombra da morte, Ele também disse: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?
Isso sim, é extravagante.

Mano Tchelo é Rapper e estudante de Psicologia (nas horas vagas) pela Universidade Paulista, em Sorocaba. (mano.tchelo@bol.com.br)