sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Um CoNtO Do SabEr

Naquela manhã, levantou cedo. No despertar do próprio dia. Arregalou os olhos mal dormidos, avermelhados, insônia companheira. Perambulou o quarto todo, a casa toda, indoidecido de saber. A sua mente estava gróg, com pensamentos embriagados. De tanto tempo que não dormia, já nem sabia se era noite, ou será dia, se tinha hora.

Na cozinha, bebeu um café frio, ruim, que o diabo tinha feito. Lembrou-se da vida, dos dias que antecederam seu declínio na existência. Já tinha feito todas as coisas, foi deus de sí mesmo, no trono do seu ser.

De súbito, sentou-se no chão, encostando-se na parede, ao lado da pia. Coçou a cabeça e indagou, ao berros: “Quem me livrará do corpo desta morte?”

Ele sentia as tripas contorcerem-se dentro de sí, o estômago embrulhar e os dedos dos pés encolherem-se até estralar os ossos. Sangrava sabedoria de morte. Desejou não saber de mais nada, deixar se esvair pelo ralo do universo tudo o que possuía. Flertou com a morte, com o diabo, ao murmurar de sua condição, dizendo: “Deus, você não existe. Se assim não fosse, porque de tanta angústia morro em minh’alma?”

Em um momento, em um inesperado instante, disse-lhe Deus, num sussurrar de sopro pelo vento: “Não há na terra e no universo, maior tolo que você. Tornou-se cético pelo saber, diabo de sí mesmo. Ainda que não se lhe fechem os olhos por toda a eternidade, não poderá me ver se não entregar-me a sua alma. Sou Deus que excede todo o entendimento.”

Ficou pasmo. Asmo. Silenciou-se. Surgiram-lhe os primeiros sinais de conciência sã-nta. Raciocinou: “Miserável homem que sou. Bestifiquei-me pelo saber. Intelecto demoníaco. Tornei-me sábio dentre os homens, doutor de toda ciência, mas leigo na alma, no espírito e conciência. Todo entendimento me foi ocultado. Rastejei-me pra morte, abriguei-me no abismo do falso conhecimento. Correntes do cão. Alimentei-me de loucuras vãs, como os porcos.
Mas, agora, se me abriram os olhos. Misericórdia do Deus qu’eu não cria. Euréca. Mal posso explicar tanto alívio. Libertaram-me as asas. Sou pássaro livre.”

Naquela noite, foi deitar-se cedo. No adormecer do mesmo dia. Fechou os olhos cansados, descamados de toda cegueira, sono profundo de paz. Sonhou com o céu do outro dia, um azul de repousar a cabeça. A sua mente estava leve, pensamentos soltos, sóbrios. De tanto tempo que não vivia, morreu eterno sono de vida. Só sabia que a noite ou o dia não tinham tempo, excediam as horas. Acordou, o café estava fresco. Novo dia. Seguinte de Deus.


Deus é.

Isabela Pizani