segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Nas entre-linhas: Deus existe - Estendendo a reflexão

Deus existe e esteve entre nós. Todos cristãos concordam que Deus existe. Porém, esta afirmação não deve ser feita sem discussão, não é mera decoreba, ou um enunciado subjetivo e pessoal.

- Definindo "existir": Um dos significados de existir, e provavelmente o melhor deles, é "ter existência ou realidade, viver, ser". Portanto, como "Deus É", logo Ele existe. Se Deus é real, logo ele existe. Se Deus vive, logo Ele existe. Se Deus é uma pessoa, logo Ele existe. Vejam que não se deve confundir "existir" com "existir como nós existimos". Talvez esteja aí o ponto central em algum cristão afirmar que Deus existe. Aceito tranquilamente que Deus não existe como nós existimos - e de fato Deus não existe como nenhuma das suas criações - mas isso não implica que Ele não exista. São coisas diferentes.

- Argumento ontológico: este é o nome dado a uma das mais conhecidas e antigas linhas de argumentação em prol da existência de Deus, no debate ateísmo x teísmo. A ideia é a seguinte: existe um Ser que seja o mais perfeito possível. Se Este é o mais perfeito possível, logo Ele deve ter todas as perfeições, pois se não tivesse haveria um Ser que fosse mais perfeito. Se Deus é o Ser mais perfeito, logo ele tem todas as perfeições. Existir é uma característica superior a não existir, pois aquilo que está na realidade é superior ao que está apenas em nossas ideias (se, de fato, Deus estivesse apenas em nossas ideias, Ele não seria um Ser perfeito - não seria sequer um Ser, mas apenas uma ideia). Portanto, Deus existe.

- Conhecendo Deus e limitando Deus: não se deve confundir a ideia de conhecer algo sobre Deus com a ideia de limitá-lo. Quando se afirma que "Deus é bom" ou "Deus é justo" ou mesmo "Deus é amor", estamos expressando algo sobre o que Deus É. Expressar conhecimento sobre Deus, desde que este conhecimento seja adequado ao que Deus revela de Si, não é o mesmo que limitá-lo. Logo, dizer que Deus é amor não é uma ideia limitante. Veja, que alguém poderia argumentar neste sentido, dizendo que dizer que Deus é amor é um pensamento limitante, pois Deus é quem criou os sentimentos, logo Ele estaria acima disso. Poderia também argumentar que dizer que "Deus é amor" é limitante, pois o impediria de ser ódio, raiva ou fúria, logo colocaria Deus dentro de limites. Mas, certamente, ninguém quase concorda com esta linha de raciocínio - e compreende a diferença entre "conhecer algo sobre Deus" e "limitar a Deus". Quando se afirma que Deus existe, isto não é limitá-lo, mas sim expressar algo sobre aquilo que Ele É e revela Ser. Pois, assim como é uma graça de Deus que Ele seja amor e que Ele seja justo, também é uma graça de Deus que Ele exista.

- Verdades absolutas e nossa compreensão: o fato de algo estar acima de nossa total compreensão não impede que este fato seja uma Verdade. Portanto, quando se afirma o mistério da Trindade e o fato de Deus ser verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, estamos falando de um mistério para nossa compreensão, mas isto não impede que seja uma Verdade. O mesmo vale para quando se afirma que "Deus não está dentro da existência" no tempo e no espaço. Esta afirmação não é algo que seja totalmente compreensível para nossas limitações. Mas, isto não a impede de ser Verdade. Portanto, o simples fato de não compreendermos tudo aquilo que está envolvido na existência de Deus, não faz com que a existência de Deus deixe de ser uma Verdade. Logo, afirmar que a existência de Deus esta além de nossa compreensão não faz com que afirmar a existência de Deus seja incorreto.

- Argumentos bíblicos: a única maneira de compreender algo sobre Deus é através da auto-revelação dEle. Esta auto-revelação se encontra de maneira especial na sua Palavra. Portanto, aquilo que Deus afirma sobre si mesmo é a Verdade sobre aquilo que Ele é. Alguns textos devem ser analisados. Não vou porém, me alongar neste ponto. Hebreus 11.6 afirma categoricamente: "Ora sem fé é impossível agradar a Deus, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que Ele existe, é que é galardoador dos que O buscam". Logo, Deus afirma através do escritor de Hebreus que Ele existe. Para alguns, este argumento seria suficiente nessa conversa, mas acredito que a melhor resposta é aquela mais completa. A mera repetição de versículos sem entendê-los não é a melhor forma de se ter conhecimento sobre Deus.

- A revelação geral: a revelação geral é a manifestação de Deus através de sua criação. Romanos trata em especial da revelação geral, afirmando que o que Deus se pode conhecer é revelado através de todas as coisas que foram criadas. Um dos argumentos usados que se pode usar para afirmar que "Deus não existe" é de que Ele está acima da criação (ou "acima da existência"). Mas, em minha opinião, ocorre o contrário. Ao observar a natureza, o processo de criação de todas as coisas (e o Big Bang, etc, etc) e a perfeição existente na criação, então é que eu sei que Deus existe. Pois, se todas essas coisas estão aqui, entre elas cada um de nós, é necessário que exista algo além - e este algo, não é algo, mas alguém - Deus. Um argumento usado em prol da lógica e racionalidade da fé em Deus é o chamado argumento do relojoeiro. Se você estiver andando em algum lugar deserto e encontrar um belo relógio no chão e em funcionamento, o mais lógico a se pensar é que existiu um relojoeiro que veio antes e criou aquele relógio - e não afirmar que o relógio se formou da natureza ao acaso. Logo, ao observar a criação, compreendo que é necessário que Deus exista e esteja por trás de sua criação. Se Deus não existe, não existiria nada do que conhecemos, pois todas as coisas estão sujeitas a perfeição e ao design perfeito de Deus. Portanto, a própria natureza é a maior prova de que Deus existe. A existência de todas as coisas, com exceção dEle próprio, depende da existência de Deus. Isso é diferente de afirmar que "Deus existir" é colocá-lo no mesmo nível da criação. O relojoeiro existe e é muito superior ao relógio, pois o relógio é fruto de seu intelecto e ações. A natureza é muito superior a um relógio - e Deus está muito além de um relojoeiro humano. Mas isto não implica negar que Deus exista.

- Jesus: Jesus É Deus. Jesus não é uma criatura de Deus. Jesus esteve entre nós, pessoas o tocaram, pessoas o abraçaram, pessoas estiveram com Ele. Pessoas viram seu rosto, seu sofrimento por nós, sua morte e ressurreição. Jesus disse que Ele revelaria o Pai, pois os dois eram Um. Alguém teria coragem de afirmar que Jesus não existe (se ele não existe, então não existiu)? Se Jesus existe, Deus existe.

A Bíblia afirma a existência de Deus, a revelação geral afirma a existência de Deus, Jesus revela a existência de Deus. Isto é um fato. A grande verdade em afirmar "Deus não existe" seria que Deus existe de uma maneira que não nos é totalmente compreensível e que Deus está acima e por trás da existência de todas as criaturas. Mas, estar acima de todas as outras criações e ter uma existência além de nossa compreensão não é o mesmo que não existir.

Eu já fiz o uso de lógica semelhante à apresentada acima, mostrando que dizer que Deus é amor não implica limitação a Deus, mas apenas a confirmação da auto-revelação dEle. Usarei o mesmo argumento apresentado novamente a outro caso. Vejam: Deus está por trás de todas as verdades existentes, pois todas as verdades são verdades de Deus. Logo, a verdade é uma obra de Deus. Deus está acima de toda verdade, portanto, Deus não é verdade. Acredito que poucos concordariam que Deus não é verdade. De fato, Cristo afirmou: "Eu sou o caminho, a Verdade e a vida...". Portanto, estar acima de algo não significa não ter a característica daquele algo. Deus estar acima das existências não significa que Ele não exista. Deus ser maior do que todas as verdades, não significa que Ele não é também verdade. Jesus disse que era a vida, a vida implica existência, pois ninguém vive se não existir. Deus criou toda a verdade, mas isso não significa que Ele não seja verdade.

Finalizando, existir não implica surgimento. Deus existe sem nunca ter surgido. Deus existe eternamente. Antes que tudo existisse Deus É. E se Deus É, ele sempre existiu e ele sempre existe. Se pensarmos em Deus existindo como existem todas as coisas que não são Deus, Deus não existe, pois Deus existe de maneira mais perfeita. Se pensarmos que podemos compreender totalmente a existência de Deus, Deus não existe, pois a existência do Ser mais perfeito é além de nossa compreensão, que limita, e haveria alguém que pudesse existir de maneira superior, logo seria melhor do que Deus. Mas, Deus existe - acima destas coisas - embora diferente e acima de tudo e embora além de nossa compreensão. Isto não o limita, assim como Ele ser amor, justiça, paz, etc. não o limita. Conhecermos a auto-revelação de Deus não o torna menor. O ideal seria que houvesse outra palavra apenas para descrever a existência de Deus, acima de todas outras existências, mas isto não é necessário, pois Deus sempre está acima disto e de qualquer palavra que seja.

Por Robson Damasceno


Robson Damasceno é formado em Engenharia Química pela UNICAMP, professor e presbítero da IPI Cosmópolis, tem um carro com buzina de caminhão e é dono das histórias mais inusitadas em concursos públicos. Um grande amigo e companheiro de eternos debates por email.